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MariaGata

Atualizado: 30 de abr. de 2021

Nasci nas traseiras de uns prédios e certo dia perdi-me naquelas escadas de ferro que existem nalguns dos prédios daquela zona. Uma senhora simpática levou-me para casa e sei que andou às voltas por ali para saber se alguém me reclamava. Passados uns dias, como ninguém aparecia, ela decidiu levar-me para casa da tia de um amigo dela.

Essa tia gostava muito de animais, mas tinha tido sempre cães. Ficou comigo, mas percebi que ao princípio teria preferido ter uma cadelinha. Mas acabou por se habituar à minha companhia e eu também me afeiçoei a ela.


A tia Odete, era assim que lhe chamavam, era muito boa pessoa e gostava de mim, só que havia um problema. Como já tinha uma certa idade, era um bocado distraída. Andava sempre a arrumar coisas, a abrir e fechar gavetas. Ora há alguma gata decente que consiga resistir a uma gaveta aberta? Eu não!


Resultado, a tia Odete fechava as gavetas sem se dar conta de que eu estava lá dentro. O sobrinho ia lá a casa muitas vezes. Ele gostava muito de gatos, sobretudo se fossem siameses, que era a minha raça. Quando lá chegava perguntava por mim e a tia nunca sabia, mas como ele percebia de gatos punha-se a abrir as gavetas das cómodas e lá acabava por me encontrar.


Só que descobri que a tia gostava muito desse sobrinho e da sua amiga. Quando iam lá a casa a tia Odete prestava-lhes mais atenção do que a mim, e eu isso não tolerava. Resultado: tentava por todos os meios mostrar-lhes que não eram bem-vindos lá em casa.


A tia faleceu e eu continuei na casa, onde ainda tinha ficado uma senhora que ajudava a tia a cuidar da casa. Aconteceu que essa senhora teve que ir para o hospital de urgência e não ficou lá ninguém.

Alguém deve ter sabido que a casa estava sem ninguém porque certa noite entraram lá uns indivíduos que eu nunca tinha visto e andaram às voltas pela casa toda a abrir todos os armários. Como eu conhecia todos os cantos da casa escondi-me e eles não deram por mim.

O sobrinho, que estava em Londres nessa altura, regressou entretanto, soube do assalto e foi lá a casa ver o que tinham levado. Eu estava escondida e ele já se ia embora quando de repente se lembrou de mim. Lá me descobriu e levou-me para casa dele.


Era uma casa mais pequena, não tinha aquele corredor enorme onde eu adorava correr. Não gosto de mudar de casa, por isso encarreguei-me logo de dar uma volta completa à nova casa, sobretudo de descobrir cantos onde me pudesse esconder, uma coisa em que nós, gatos, somos peritos.

Percebi que o sobrinho não pensava ficar comigo. Falava com outras pessoas, procurava quem quisesse ficar com uma gatinha siamesa.


Ora eu, como disse, não gosto de mudar de casa e já me tinha habituado um pouco mais à companhia daquele sobrinho. Decidi que ia fazer dele o meu próximo dono.

Não foi difícil. Sabia que se o olhasse de certa maneira ele não ia resistir aos meus olhos azuis. E foi o que aconteceu. Ouvi-o certa noite a dizer ao telefone que já não ia conseguir dar-me a ninguém, que ia ficar comigo. Eu só estava à espera disso.


Começou logo por mudar o meu nome e passou a chamar-me MariaGata, escrito assim, tudo pegado. Houve umas pessoas mais conservadoras que não gostaram do nome, mas o meu dono dava-se com gente muito jovem e todos acharam o máximo.


Acabei por me afeiçoar tanto a ele como ele a mim. De noite, sobretudo no inverno, saltava-lhe sempre para a cama e arranjava um cantinho para dormir mesmo junto a ele.


O meu dono viajava muito. De vez em quando estava uns dias fora de casa, mas como deixava tudo organizado habituei-me rapidamente às ausências. Uma senhora que morava ao lado ia lá a casa ver se eu tinha água e comida e limpar o meu caixotinho.


De vez em quando levava-me à veterinária. Levou-me uma vez numa caixa a que ele chamava a minha limousine, mas detestei andar fechada. Então arranjou uma trela e atravessava as ruas a pé, comigo aos ombros, até ao consultório. Era um sucesso! As pessoas paravam, ficavam a olhar e todas diziam que eu era muito bonita. Sei que ele ficava todo inchado com os elogios.


Houve uma altura em que mandou fazer umas obras em casa, e sei que ele andava apreensivo. Havia homens a entrar e sair constantemente e eu não resistia a ver a porta da rua aberta, esgueirava-me logo. Mas nunca fugi para a rua, fiquei sempre dentro do prédio e ele acabou sempre por me encontrar.


Sei que ele decidiu habituar-me a conhecer o andar onde morava, para o caso de alguma vez eu ficar na escada. Começou a ir para casa pela escada para me habituar. Percebi rapidamente que a porta ficava do lado esquerdo. Fixar o andar foi mais difícil, mas lá me habituei.


Ainda voltando às obras, elas coincidiram com um evento em que o meu dono participava sempre, que era um congresso de professores. Eram três dias em que não ia estar em casa senão à noite e ele receava que eu fugisse e os homens das obras não dessem por isso. Decidiu então levar-me ao congresso.


Eram centenas de professores. Ou melhor, centenas de professoras e alguns professores. O meu dono chegou ao espaço onde ia instalar a sua banca, colocou os cartazes e folhetos e colocou-me num canto da mesa.

O efeito foi fulminante! Aquelas senhoras perderam todas a cabeça comigo. Queriam fazer-me festas, perguntavam se me podiam pegar, uma loucura. Percebi que o meu dono estava tenso. Ele sabia que eu por vezes decidia escapulir-me e, naquele espaço, teria sido complicado.

Decidi colaborar e fui durante três dias a gatinha mais ajuizada deste mundo. Toda a gente gostou de mim e sei que os cursos que o meu dono promovia nunca tiveram tanto sucesso.


xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


Nós, gatos, vivemos menos tempo que os donos e acabou por acontecer que me vim embora, ao fim de doze anos. Sei que ele não voltou a ter uma gatinha, mas sei também que anda com vontade de voltar a arranjar uma companhia de quatro patas.

Fazes bem, dono. Arranja uma nova companhia, mas não faças comparações. E nunca te esqueças de mim.

MariaGata

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6件のコメント


eduardo catalao
eduardo catalao
2021年3月17日

Manda-me um número de telefone ou um e-mail teu pois gostaria de contactar contigo.

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antvaladas
antvaladas
2021年3月17日
返信先

Podes ligar para o 919431495. Terei imenso gosto em falar contigo.

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Noya Isabel
Noya Isabel
2021年3月17日

Olá! Já me fizeste vir as lágrimas, com a historia da MariaGata.

Não me lembrava que ela tinha ido ao Congresso das Sotoras.

Gostei muito .

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antvaladas
antvaladas
2021年3月17日
返信先

Calculei que isso podia acontecer, mas tive mesmo que escrever assim.

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eduardo catalao
eduardo catalao
2021年3月17日

Tens uma maneira de escrever muito simpatica.

Um abraço

eduardo.catalao@gmail.com

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antvaladas
antvaladas
2021年3月17日
返信先

Um abraço para ti Eduardo. Que surpresa agradável receber a tua mensagem.

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