Adoro a cidade de Barcelona, onde já estive várias vezes, a primeira em 1959. Gosto do ambiente, sinto-me bem. Sempre que lá ia escolhia um percurso diferente que percorria a pé. As avenidas são longas, eram caminhadas cansativas, mas antigamente era a pé que eu gostava de conhecer as cidades, sempre que dispunha de tempo para o fazer.
Creio que foi logo na segunda visita que descobri Gaudi. Fiquei fascinado. Sempre gostei do que se convencionou chamar Arte Nova. Mas em Gaudi nota-se uma inspiração mourisca que mais tarde leva até uma interpretação muito pessoal do estilo gótico, na Sagrada Família. Já visitei, pelo menos uma vez, a Casa Milà, também conhecida como La Pedrera, a Casa Batlló, o Palácio Güell, o Palau de la Música e o Parque Güell, onde sou capaz de passar uma tarde inteira.
Quando, mais recentemente, vejo as filas de gente que espera durante horas para visitar a Sagrada Família, dou graças a ter lá ido três vezes em épocas em que entrava sem grande problema. Outros tempos.
Mas a história que vou agora relatar é de teor bastante diferente.
Em Fevereiro de 1997 o Experiment in International Living que entretanto eu passara a representar em Portugal organizou um Seminário sobre Programas Au Pair em Barcelona. Decorreu num hotel cujo nome não me recordo, mas que ficava perto do acesso ao teleférico de Montjuïc.
Como era meu hábito, fui uns dias mais cedo para aproveitar e dar umas voltas por aquela parte de Barcelona. No penúltimo dia, uma colega americana com quem falava com frequência apresentou-me ao marido, que entretanto chegara dos Estados Unidos para ficar uns dias com ela.
Decidiram ir até à Rambla e perguntaram-me se queria ir com eles. Para além da companhia percebi que gostavam de estar com alguém que conseguisse contactar com os locais na sua língua. No meu caso seria o Castelhano porque tenho dificuldade em falar Catalão, embora seja fácil de ler.
Prontificavam-se a fazer o percurso pelas avenidas principais quando lhes sugeri que havia um caminho direto para o ponto onde queriam ir muito mais curto. Devo confessar que estava a exibir o conhecimento que entretanto tinha adquirido daquela parte de Barcelona, mas não fui muito feliz com a proposta.
O trajeto que sugeri atravessava um bairro claramente não turístico, de ruas estreitas, e não tardei a reparar que os meus amigos chamavam a atenção dos locais ao passar. Eu ia uns passos à frente, não só para ir indicando o caminho como também para os deixar conversar à vontade, quando um individuo passou por mim a correr com o americano atrás dele a gritar: “He stole my wife’s purse!”
Pus-me também no encalço do indivíduo, mas a certa altura dei-me conta que já eram dois ou três, cada um correndo numa direção diferente. Resultado: acabámos por perder o rasto do que teria, de facto, roubado a mala da senhora.
Bom, isto resultou em termos passado as horas seguintes na esquadra mais próxima onde apresentámos queixa, eu digo apresentámos porque tive que fazer de tradutor nos dois sentidos todo o tempo que lá estivemos.
A senhora, para além da carteira com dinheiro e cartões de crédito, levava também consigo o passaporte e o bilhete de avião para a viagem de regresso aos Estados Unidos daí a dois dias. Podem imaginar o transtorno.
Acabámos por regressar ao hotel já sem grande vontade para o passeio e jantar que tínhamos planeado. Eles, coitados, a prepararem-se para acionar imediatamente todos os contactos na América que os ajudassem a resolver o problema e eu, confesso, muito incomodado por os ter levado a seguirem aquele trajeto. No dia anterior tinha percorrido o mesmo percurso, mas o meu ar latino não dera nas vistas.
Na manhã seguinte encontrei o marido que me disse que na noite anterior, aproveitando a diferença horária, conseguira fazer várias chamadas para os Estados Unidos e os problemas iam-se resolver. Avisara o banco sobre os cartões, contactara com a companhia aérea e ia nessa manhã ao Consulado americano resolver o problema do passaporte. Confesso que fiquei bastante mais aliviado.
Pelo menos aprendi duas coisas:
- Quando acompanhado por outras pessoas evitar passar pelos locais onde por vezes passo sozinho;
- Se alguma vez me tornar assaltante a técnica é ter mais dois compinchas que fogem ao mesmo tempo, cada um para seu lado.
E uma terceira:
- Gaudi criava direito por linhas tortas!
Está-se sempre a aprender.
Gostei da descrição e aprendi a lição. A vida é uma eterna aprendizagem se edtivermos atentos.