Em 1993 participei na minha primeira Staff Conference com a ASSE. Era a minha primeira oportunidade de ficar a conhecer todos os colegas do resto do mundo com quem iria trabalhar nos anos seguintes.
O local escolhido foi Jackson Hole e não podia ter sido melhor. Jackson Hole fica no Wyoming, com as Grand Tetons, montanhas que fazer recordar seios de senhora e daí o nome original em Francês, a servir de pano de fundo. É um local favorito para férias de alguns antigos presidentes americanos e pode-se compreender porquê.
A viagem até ao local foi feita por etapas, em cada uma das quais o avião ia ficando mais pequeno, até que na última a avioneta teria da ordem de uns trinta lugares, sendo o aeroporto uma espécie de apeadeiro local.
O Lodge onde ficámos é constituído por um edifício central onde se localizam todas as zonas comuns, casa de jantar, salas de reuniões, etc. A parede do fundo é toda em vidro, o que nos permite estar sempre a ver a paisagem extraordinária que nos rodeia.
O alojamento é feito em cabins, cada uma com vários quartos e zonas comuns.
Amanhece muito cedo e logo no primeiro dia levantei-me de madrugada, por um lado devido ao jet lag, mas principalmente porque não consegui resistir ao espetáculo que via da janela do meu quarto.
Em frente aos nossos alojamentos ficava uma extensa pradaria que terminava no sopé do Grand Teton. Ao fundo vi alces a pastar e a meio caminho um pequeno montículo indicava uma barragem de castores. O silêncio era total. Apetecia ficar ali, sem fazer nada, só a respirar a calma que emanava daquele local. A partir daí procurei levantar-me sempre bem cedo, para usufruir daqueles momentos de calma absoluta antes do início das reuniões.
Embora o lodge estivesse situado numa zona totalmente selvagem, não estava preparado para o que me aconteceu numa manhã em que saía da cabin a uma hora em que a maior parte das pessoas ainda estariam na cama. Ao abrir a porta olhei para a esquerda e dei logo um salto para trás. A poucos metros um urso avançava calmamente, provavelmente em direção à zona onde estavam os caixotes do lixo, para rebuscar qualquer resto de comida. Fiquei a espreitar pela janela e só bastante mais tarde é que me arrisquei a sair. O urso, nunca mais o vi.
O local ficava bastante isolado e à noite não havia grande animação. Os elementos mais jovens do grupo ficaram rapidamente a saber que a única alternativa era ir até Jackson à noite, quando terminavam os trabalhos. Jackson ainda ficava um pouco longe, mas passou a ser o destino noturno de muitos de nós.
É uma cidade que parece saída de um filme de cowboys. As casas de madeira, os passeios também em madeira ladeando ruas de terra batida, em frente a cada loja ou restaurante aqueles pedaços de madeira em que se enrolam as rédeas do cavalo.
O bar onde passámos a ir regularmente tinha uma banda de western music tocada e cantada por gente que parecia ter saído de um filme. A maior parte do público era também constituída por autênticos cowboys. O elemento feminino no nosso grupo, maioritário, delirava quando um cowboy avançava e as puxava com um sacão para a pista de dança enquanto rosnava “dance”. E nem podiam pensar em dizer que não!
O local oferecia tais possibilidades que teria sido uma pena não termos podido usufruir da sua localização. Assim, para além das reuniões, conseguimos ainda fazer vários passeios e participar em atividades pouco usuais.
Um dia foi dedicado a visitar Yellowstone Park. O trajeto até lá levou-nos através do Grand Teton National Park, um deslumbramento de paisagem de montanha cortada por desfiladeiros e cursos de água.
Yellowstone Park é um dos parques naturais mais visitados por turistas nos Estados Unidos, pelo que à medida que nos fomos aproximando das zonas mais procuradas o grosso de visitantes ia aumentando. A parte central tem uma paisagem desolada mas atraente, pois é diferente de tudo a que estamos habituados. Lagos de água a ferver, lamas de todas as cores, troncos de árvores esbranquiçados, uma natureza simultaneamente aterradora e bela.
E depois chegámos a um local onde um grande círculo de visitantes aguardava pacientemente. Tratava-se do Old Faithful, o geyser que emite um jacto de vapor a ferver a determinadas horas, nunca falhando. Daí o nome de Old Faithful. As pessoa já sabem que há hora indicada irá haver um jacto.
Saindo daquela zona passámos por uma região menos acidentada, com pradaria e alguma vegetação, onde vi pela primeira vez bisontes. Os bisontes, não são búfalos, tanto andavam em pequenas manadas como estavam isolados ou em grupos de dois ou três. Aquelas manadas enormes que atravessavam as pradarias nos filmes da nossa juventude já foram praticamente extintas, por acção humana.
O bisonte é um animal enorme, mais alto que um homem vulgar, mas tem, ao mesmo tempo, um ar pacífico ou pachorrento. Foi aí que cometi um erro que podia ter feito com que eu não estivesse agora a fazer este relato. No grupo iam dois colegas nossos, espanhóis, a quem a visão de um bisonte enorme trouxe à tona o seu sangue “torero”. Decidiram aproximar-se dele para tirar uma foto. Como bom português, quis logo demonstrar que nós portugueses também sabemos lidar com touros e também me aproximei. Os gritos do condutor do autocarro fizeram-nos regressar. O homem estava fora de si, e com razão. “Vocês são completamente irresponsáveis” – disse ele – “Se o bisonte tivesse decidido atacar vocês não tinham escapado”. Fomos bastante estúpidos, na realidade.
O parque natural é acidentado, com desfiladeiros, montanhas e zonas mais planas, rios calmos que por vezes entram em zonas de rápidos ou mesmo cascatas. É a natureza em todo o seu esplendor natural. Para tornar a visita mais completa, estava incluído um passeio de barco por algumas zonas de rápidos, o chamado white water rafting. Foi divertido e tiveram o cuidado de não nos levar para as zonas mais perigosas.
Certa noite avisaram-nos de que na manhã seguinte teríamos que nos levantar bem cedo porque iriamos ter um breakfast em local um pouco distante. Perguntaram ainda quem queria ir a cavalo; os restantes iriam em carruagens. Não sei andar bem a cavalo, mas já montei, pelo que ofereci-me logo para o grupo dos cavaleiros.
Na madrugada seguinte lá estavam os cowboys com os cavalos, enquanto a maioria do grupo partia nas suas carruagens. Por não ser um cavaleiro experiente fiquei para trás, na esperança que ao ver como os outros montavam não fizesse má figura. Azar dos azares, disseram que iam começar a chamar pelos cavaleiros e o primeiro nome, claro, tinha que ser o meu!
O maior problema para os inexperientes é o balanço que se dá para subir para a garupa. Se não fazemos força suficiente andamos para cima e para baixo até acertarmos, o que é vexante. Se dermos demasiado balanço arriscamo-nos a voar por cima do cavalo e cair do lado oposto. Os deuses da pradaria ajudaram-me. Montei bem logo à primeira.
Depois foi um longo passeio pela pradaria até ao local onde um grupo de cowboys e cowgirls já nos aguardava. Mesas com toalhas de quadrados, churrascos, enfim tudo o que deve constituir um cowboy breakfast a sério. Foi super divertido.
Não haveria mais nada digno de relato, mas a minha partida não foi pacífica. Esqueceram-se de me vir buscar à hora da madrugada a que deviam levar-me para o pequeno aeroporto. Depois de muitos telefonemas, lá apareceu uma rapariga para nos levar, a mim e a uma dinamarquesa de quem também se tinham esquecido. Durante o percurso tentei pressionar a condutora para ir mais depressa, mas para os condutores americanos naquelas estradas não podem ultrapassar as 60 milhas, e não há nada que os faça ir mais depressa.
Chegámos finalmente ao aeroporto a poucos minutos da hora de partida prevista para o nosso voo. Dois colegas nossos que sabiam que também devíamos ir naquele voo esperavam-nos cá fora e gritaram: “O avião está quase a partir, vejam se ainda conseguem fazer o check in”. Felizmente o aeroporto era minúsculo. Corri em direção ao balcão e vi que a assistente estava a preparar-se para entregar qualquer coisa a outro indivíduo. Em corrida gritei “I am here, that is my ticket”. O homem olhou para mim com ar assassino, mas ainda consegui que não dessem o meu lugar a outra pessoa.
Depois foi só correr para a avioneta cujas hélices já giravam com a bagagem toda na mão trepar pela escadinha e atirar-me para o meu lugar ao mesmo tempo que o avião já rodava na pista. Como dizem os americanos “it was a close shave”.
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