Na madrugada do primeiro dia do ano morreu Carlos do Carmo.
Não vou falar da superior qualidade deste fadista, reconhecida por toda a gente e sobre a qual poderão falar muito melhor do que eu. Nem da sua inteligência, bom gosto e maneira elegante de tratar com toda a gente.
No Fado foi grande e devemos-lhe o Fado ser património da humanidade.
Dentro do espírito dos meus anteriores relatos vou apenas relembrar os breves momentos em que tive algum contacto com ele.
Como já referi no meu texto anterior sobre O Land Rover na Ópera, na minha juventude tinha um grupo grande de amigos, todos aproximadamente de mesma idade, que tinha como caraterística mais saliente o facto de irmos a todo o lado. Como na altura não havia a variedade de opções que existe hoje, acabávamos sempre por ir aos mesmos sítios. Não havia alternativas.
De vez em quando um do grupo sugeria que fossemos aos fados e a escolha era invariavelmente O Faia, da Lucília do Carmo. Ela já conhecia o nosso grupo e recebia-nos sempre muito bem. Isto significava, entre outras coisas, que mesmo em dia de casa cheia havia sempre um cantinho para nós, para além de apenas termos que pagar qualquer coisa que consumíssemos. Não estávamos sujeitos ao consumo mínimo.
O filho, Carlos do Carmo, começou a partir de certa altura a cantar também, mas de início era apenas conhecido como o filho da Lucília.
Anos mais tarde, e conforme relato no meu livro, trabalhei em publicidade, tendo tido a oportunidade de trabalhar com o Ary dos Santos. Como sabe quem seguiu a carreira do fadista, o Ary fez muitas letras para os fados do Carlos do Carmo.
Também relato no livro a forma como o Ary trabalhava, sempre em sua casa, o que dava como resultado que por vezes se misturassem na casa da Rua da Saudade gente da publicidade, da música, da poesia e sabe Deus de que mais.
Foi nessas reuniões de trabalho que acabei por ter ocasião de falar uma ou duas vezes com o Carlos do Carmo, mas sempre conversas de circunstância. Houve no entanto uma coisa que sempre me chamou a atenção. Por vezes o ambiente animava e faziam-se e diziam-se muitos disparates. O Ary era famoso pela sua total falta de tento na língua. Dizia coisas que só eram aceites porque já toda a gente o conhecia. Ele era assim e pronto.
O Carlos do Carmo mantinha sempre o seu ar cordial mas impassível. Estava ali, assistia a tudo sem participar, mas também sem se mostrar incomodado.
Via-se que tinha sido educado na Suíça.
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