Doze meses a viver numa realidade cultural completamente diferente, com 16 anos e, acima de tudo, em 1956/57, podem provocar grandes alterações num jovem ainda em processo de crescimento e desenvolvimento pessoal.
Foram muitas as alterações que o meu “ano americano” provocou em mim, em termos de valores, conceitos, princípios, ideias, convicções e hábitos. Vou ver se consigo elencar os mais significativos.
Alguns representam alterações definitivas e profundas no meu comportamento, outros apenas questões de pormenor, nem por isso menos curiosas.
Comportamento pessoal:
Nos States grande parte dos cumprimentos faz-se sem qualquer contacto pessoal. Adoptei esse hábito, o que causou que em Portugal por vezes considerassem que eu estava a ser malcriado por não passar a vida a dar apertos de mão, beijinhos, etc..
Na América um pai só num caso muito excecional é que beija o filho. Assimilei esse comportamento e depois de regressar a Portugal deixei de dar um beijo de cumprimento ao meu pai, e muito menos ao meu irmão. O meu pai não gostou mas acabou por aceitar.
Mais tarde, quando estava com um grupo de colegas em Portugal e um novo membro acabado de chegar percorria o círculo a apertar a mão a toda a gente aquilo parecia-me perfeitamente desnecessário e ridículo.
Após o meu regresso passei a lidar com pessoas com profissões manuais sem criar uma sensação de distanciamento que existia anteriormente.
Aprendi a lidar com raparigas de uma forma mais natural. Antes, andava no Pedro Nunes que era um liceu só para rapazes e íamos à saída do Maria Amália para tentar meter conversa com as meninas.
Em compensação nunca consegui sentir-me à vontade quando temas que eu considerava íntimos eram discutidos abertamente à frente de toda a gente.
Adaptei-me rapidamente à forma muito mais informal de vestir dos americanos, em especial dos californianos. Quando regressei o meu pai recusava-se sair comigo quando eu punha uma daquelas camisas “floridas”.
Aprendi a ser mais responsável pelos meus assuntos e com as minhas coisas. A minha mãe ficou encantada quando eu, depois de regressar, comecei a fazer a minha cama, coisa que nunca fizera antes.
Hábitos que adquiri:
Passei a lidar com todo o tipo de pessoas de modo mais informal.
Passei a considerar que um estudante trabalhar para ter dinheiro para as suas despesas pessoais era perfeitamente normal.
Deixei de cortar os setes. Ainda hoje isso por vezes traz-me problemas quando escrevo números.
Passei a beber litros de leite. Antes de ir para fora simplesmente abominava o leite.
Competências que desenvolvi:
Adquiri o hábito de falar em público. Mesmo perante uma sala com centenas de pessoas não tinha qualquer problema. Devo dizer que considero a disciplina de “Speach”, uma das que frequentei, como tendo sido a mais importante que frequentei na minha High School.
Também desenvolvi um maior à vontade na escrita, neste caso em Inglês. Um conto que escrevi num clube de futuros escritores em que me inscrevi foi o meu primeiro trabalho publicado, numa seleção dos melhores contos efetuada pela professora de Inglês que também era escritora.
Aprendi a estacionar um carro de forma impecável. Com 16 anos nos EUA já se tirava a carta e uma das disciplinas que eu tinha na escola era precisamente “Driver’s Ed” (aulas de condução).
Descobertas e surpresas:
Fiquei surpreendido a primeira vez que alguém na América referiu a ditadura que havia em Portugal. Em minha casa não se falava de política.
Descobrir a grande variedade de religiões existentes foi outra das minhas descobertas e surpresas. Sobretudo a descoberta da enorme variedade de religiões protestantes existente. Para mim até aí havia uma religião cristã, o catolicismo e depois aquilo a que as pessoas chamavam seitas. Devo dizer que foi um dos sectores do conhecimento que mais me interessaram e que mais desenvolvi mais tarde quando comecei a viajar pelo mundo inteiro.
Surpreendeu-me a facilidade com que qualquer estudante na América conseguia um part time remunerado. Mais surpreendido fiquei ainda quando aprendi que os jovens punham dinheiro de parte para mais tarde poderem frequentar uma universidade e consideravam isso a sua obrigação.
A importância dada ao desporto e a todo o tipo de atividades que ajudavam a desenvolver outras competências deixaram-me estarrecido. Eram consideradas tão importantes como as notas obtidas nas disciplinas digamos tradicionais. Foi isso que me bloqueou mais tarde a frequência de cursos superiores em Portugal.
O relacionamento muito mais informal entre professores e alunos foi para mim também totalmente inesperado.
Moradias em madeira com a porta da rua geralmente destrancada, o uso generalizado de carros por toda a gente com mais de 16 anos foram também surpresas com que não contava.
Foi ainda na América que vi televisão pela primeira vez. Começou a funcionar em Portugal precisamente durante o ano em que lá estive.
A descoberta dos hamburgers foi também algo que me marcou. Quando regressei a Portugal todos os meus amigos me pediam para fazer hamburgers. É preciso recordar que a Mcdonald’s foi criada em San Bernardino, California, em 1954, dois anos antes de eu chegar à América.
Não deixa de ser curioso constatar que, mais tarde, quando me tornei o diretor em Portugal da organização através da qual fora passar um ano aos Estados Unidos, enviei um estudante que mais tarde veio a ser o Presidente da McDonald’s para todo o Sul da Europa.
Comentarios