O meu livro Facing Challenges começa com esta dedicatória:
Aos meus pais, para quem não foi fácil deixarem-me levantar voo tão cedo.
Eu tinha apenas 15 anos quando disse aos meus pais que tinha sabido que havia um programa internacional que permitia aos jovens de qualquer país irem durante um ano para os Estados Unidos, viver com uma família americana e frequentar um estabelecimento de ensino local.
Ao princípio nem levaram o pedido muito a sério. Era mais uma daquelas minhas ideias peregrinas em que eu era fértil pois imaginação era coisa que nunca me faltara. Além disso, naquela altura não havia qualquer referência a que pudessem recorrer. Nenhum jovem de Portugal ainda participara em semelhante programa.
Quando se aperceberam que eu estava a levar a ideia muito a sério é que procuraram informar-se. O programa da organização que era conhecida na altura como American Field Service era representado em Portugal pela Mocidade Portuguesa e pela Embaixada Americana.
Ambas as instituições deram aos meus pais todas as garantias sobre a seriedade do programa, mas agora havia outro factor mais importante a ter em conta: e eu, estaria eu preparado para enfrentar uma situação que implicaria estar afastado da família durante um ano? Convém recordar que a comunicação telefónica intercontinental, única possível em 1956, era extremamente complicada. Restava a troca de correspondência.
Foi talvez essa dificuldade de comunicação que teve maior influência no meu crescimento pessoal no decurso do meu ano no estrangeiro. É que cada carta levava cerca de uma semana a chegar ao seu destino, o que significava que eu recebia uma resposta da minha mãe às minhas cartas cerca de quinze dias após as ter enviado.
E o que é que isso significava? Que quando a minha mãe me referia um problema ou uma dificuldade que eu tivera e tentava aconselhar-me eu já não fazia a menor ideia do que é que ela estava a falar.
Hoje em dia continua a existir um programa idêntico, mas com diferenças. A primeira é que o programa é mais curto, tem a duração de um ano letivo e como tal é também encarado pelos estudantes e pelos seus pais: os jovens vão estudar um ano numa High School americana e como ouviram dizer que é fácil na América conseguir boas notas todos esperam que no regresso tenham conseguido subir a média com que irão aceder ao ensino superior.
A grande preocupação dos pais e, por tabela, dos filhos, é a questão da equivalência. Consideram que estar um ano a viver noutro país, noutra cultura, se não for acompanhado de um reconhecimento de que frequentaram um ano letivo reconhecido pelo Ministério da Educação em Portugal terá sido um “ano perdido”.
Ora quando eu participei, e ainda durante bastante tempo, esse reconhecimento não existia. O objetivo do programa era o crescimento pessoal baseado na imersão numa experiência intercultural de longa duração. O termo Aprendizagem Intercultural, que não é o mesmo que Educação Intercultural, surgiu com os primeiros estudos realizados por educadores que se interessaram por este fenómeno, estudado em profundidade pela primeira vez.
Mais tarde, quando me tornei responsável pela própria organização através da qual tinha ido um ano para o estrangeiro e depois por outras organizações idênticas, tive a oportunidade de constatar como os meus pais foram extraordinários ao não levantarem objeções à minha participação neste programa. Não só manifestaram confiança em mim, considero que, acima de tudo, revelaram confiança na educação que me tinham dado.
As objeções por parte dos pais que vim a encontrar sempre que se abordava a possibilidade de os filhos participarem num programa deste tipo eram de todos os tipos: É caro, é muito tempo, é muito longe, é perigoso eram as principais, mas surgiam outras. Só depois de os pôr em contacto com pais cujos filhos já tinham participado no programa é que se decidiam a aceitar a ideia.
Um dos fatores que levam os pais a aceitarem mais facilmente a ideia de deixarem ir os filhos para o estrangeiro por tanto tempo é o facto de hoje em dia poderem estar em contacto permanente e exercer o chamado “controle à distância”. São os chamados “pais helicópteros”, permanentemente a sobrevoarem os filhos e a saberem tudo o que estes estão a fazer.
Ora é precisamente esta diferença abissal que existe entre os estudantes que no passado tinham que enfrentar as situações e aprender a resolver os seus problemas e os que hoje em dia estão em contacto permanente com família e amigos, como se ainda estivessem a viver no seu país, na sua casa, que faz toda a diferença.
Antigamente um estudante tinha uma experiência intercultural completa e beneficiava do crescimento que esta lhe proporcionava. Hoje em dia está meio cá meio lá e muitas vezes nunca chega a ter que recorrer a todas as suas capacidades ainda desconhecidas para ter que enfrentar e resolver novas situações.
Tenho consciência de que alguns pais ao lerem estas linhas não vão gostar do que digo e poderão estar em desacordo. Espero que sim e terei todo o prazer em debater mais a fundo o tema aqui abordado.
Termino com uma consideração de Luís Portela que li há tempos e que anotei:
Hoje percebo muito bem que os filhos não são nossa propriedade nem o nosso espelho. Não são da nossa responsabilidade. Temos apenas a responsabilidade de os apoiar e de os ajudar a fazerem-se homens e mulheres.
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