Para além de todas começarem por C parece que estas três palavras não têm nada em comum. Já vão ver que têm.
Comecei a desempenhar as funções de Diretor Nacional do AFS/Portugal em Setembro de 1976. Embora já levasse um ano de experiência como Coordenador, a título voluntário, havia ainda muito para aprender e ficar a conhecer melhor. A organização internacional recorria, para esse efeito, ao AFS/Espanha que tinha colaboradores com bastante experiência.
Decidiram organizar um Seminário na Catalunha dirigido à nova equipa que estava a funcionar em Portugal e também aos colaboradores espanhóis que requeriam mais formação.
E foi assim que em Março de 1977 se realizou em Berga um Campo de Formação ibérico.
Catalunha
Na companhia de mais 5 colegas portugueses fomos de comboio até Barcelona, onde nos iríamos encontrar com o grupo espanhol para depois seguir de autocarro para Berga.
Como ainda ficamos umas horas em Barcelona aproveitámos para dar umas voltas para conhecer melhor a cidade. Já tinha estado em Barcelona antes, mas sempre em passagens rápidas ou com pessoas da família. Como estava agora integrado numa organização mundial, o meu interesse em conhecer melhor outros idiomas tinha-se acentuado e tentei, pela primeira vez, falar Catalão.
Muita gente me tinha dito que para nós era fácil, que era mais parecido com o Português. Para mim não foi. Já falava aceitavelmente o Castelhano e não entrava com a pronúncia catalã. O entendimento da escrita, em compensação, era fácil. Parecia Português em que tivessem tirado a última vogal das palavras, com uns toques de Francês.
À hora marcada estávamos em frente à Catedral e aí travamos conhecimento com alguns dos elementos espanhóis que víamos pela primeira vez. Apanhámos o autocarro, não muito grande e seguimos viagem.
Cebolas
Berga fica nos Pirenéus, já relativamente próxima da fronteira com a França e também de Andorra. Isto significava que íamos atravessar terreno montanhoso, com as inevitáveis curvas. Quem já me conhece sabe que enjoo com a maior das facilidades em terra, mas e ar. Só que quando me dei conta do que me ia acontecer já era demasiado tarde.
Resultado: o autocarro teve que parar, só por minha causa. Voltei para bordo um pouco mais aliviado e lá consegui chegar ao termo da viagem sem mais percalços.
O Workshop ia decorrer numa casa bastante grande que pertencia à família de um dos participantes espanhóis. Não era um alojamento de luxo, mas permitia-nos um contacto direto permanente que ajudou bastante a criar um espírito de grupo em pouco tempo.
As sessões de trabalho foram bastante interessantes. Estávamos todos desejosos de aprender mais e todos colaborámos nas sessões práticas em que simulávamos situações reais.
As refeições eram sempre de comida tipicamente catalã que eu já conhecia de visitas anteriores. Só que nunca tinha experimentado um pequeno-almoço típico das montanhas catalãs.
Na primeira manhã vi que para além do que seria de esperar de pão, queijo ou enchidos, havia também umas enormes cebolas roxas. Toda a gente aqui as come ao pequeno-almoço, disse-nos o dono da casa. Os meus colegas portugueses declinaram a experiência, mas eu não podia resistir.
As cebolas eram fortíssimas, daquelas que nos fazem saltar as lágrimas dos olhos! Comi-as sem dar parte fraca, mas não foi fácil. No entanto, comparando com o meu pequeno-almoço malaio que conto no meu livro Facing Challenges, ainda se aguentavam.
Acho que qualquer dia vou escrever um texto só sobre os pequenos-almoços exóticos que já comi.
Bom, chegados ao final do Workshop regressámos a Barcelona, desta vez tendo eu previamente tomado as minhas famosas pastilhas contra o enjoo.
Comboios
O regresso a Lisboa tinha sido estudado cuidadosamente. Apanhávamos um comboio até Madrid e depois outro entre Madrid e Lisboa. O autocarro chegou a Barcelona já muito perto da hora de partida do comboio. Foi uma correria, mas apanhámos o comboio já quando se preparava para partir.
Só já durante a viagem é que o pica-bilhetes nos informou que a gare a que chegávamos em Madrid era diferente daquela onde tínhamos que apanhar o comboio para Lisboa, mas não havia problema. Apanhávamos o metro e saíamos em Chamartin, de onde saía o nosso comboio. Era tudo muito à tangente, mas dava.
Mas há sempre pormenores que nunca são bem explicados. A estação de metro e a dos comboios estavam separadas. Pouco, mas ainda umas centenas de metros, o que nos ia obrigar a correr.
Mas o pior ainda estava para vir. É que naquele domingo o Real Madrid jogava em casa e logo por azar chegámos à hora em que o jogo tinha terminado e o espaço entre as duas estações estava ocupado por milhares de adeptos que regressavam a casa. Resultado, a corrida entre as duas estações transformou-se numa prova de obstáculos connosco aos encontrões a toda a gente e a ouvir “piropos” pouco agradáveis.
Na gare, enquanto corríamos tentamos ver qual o cais e corremos para lá. Ouvimos nessa altura nos altifalantes o aviso que o comboio para Lisboa ia partir. Chegámos ao cais no preciso momento em que o comboio dava sinal que ia partir, corremos para a porta da última carruagem, a única que ainda era acessível, e saltámos lá para dentro.
Foi então que me dei conta que uma rapariga do grupo, baixinha e de pernas curtas, ainda corria e o comboio estava a começar a mover-se. Força Xinha, gritei eu, agarrado ao varão do comboio. Num último esforço ela ainda chegou suficientemente próximo para eu a poder agarrar e, sabe-se lá como, puxar para dentro da carruagem. Creio que caímos os dois no chão, de exaustos que estávamos.
Mas tínhamos apanhado o comboio! O grupo chegou a Lisboa intacto, mas com muito para contar.
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