Quando, em Agosto de 1956 parti para os Estados Unidos para participar num programa de intercâmbio nessa altura ainda desconhecido em Portugal ia com um misto de ansiedade, espectativa e entusiasmo, mas sem ter a mínima ideia do que ia enfrentar. Ia para a América e isso, com 16 anos acabados de fazer, alimentava o meu espírito de aventura.
Adorei a experiência, quase que diariamente descobria coisas que eram novidade para mim. Só que também cometi alguns erros e tive atitudes de que hoje em dia me arrependo.
Mas porquê? Porque não tinha havido a mínima preparação. Eu nunca ouvi falar em Choque Cultural.
Só muitos anos mais tarde, quando fiquei responsável no nosso país pela organização que selecionava estudantes para esse programa é que me dei conta de certos comportamentos que tinha tido nessa altura que podem ter chocado, ou magoado, outras pessoas.
Foi nessa altura que decidi que, mais importante que selecionar os jovens mais adequados para um programa deste género era dar-lhes uma preparação que lhes facilitasse a inserção noutra cultura e lhes permitisse evitar certos comportamentos que poderiam dificultar o seu relacionamento com os locais.
Aquilo que passou a chamar-se Orientação era constituída por um conjunto de exercícios, testes, discussões e situações de role play em que se procurava, de uma forma por vezes lúdica e em ambiente descontraído, preparar os jovens para o seu ano no estrangeiro.
Uma das partes mais importantes dessas Orientações era a sessão sobre o ChoqueCultural. Mas o que é, afinal, o Choque Cultural?
O termo Choque Cultural foi utilizado pela primeira vez em 1958 para descrever a ansiedade produzida quando uma pessoa muda para um ambiente completamente diferente.
Podemos dizer que é o desconforto físico e emocional que alguém sofre quando vai viver para um sítio diferente do da sua origem. Enfrenta situações que são completamente novas e os comportamentos a que está habituado não fazem sentido naquele novo meio. Regras, códigos, hábitos, valores, religião, modo de vestir, alimentação, tudo é diferente.
Na formação que é dada aos jovens chamamos-lhes a atenção para alguns sintomas típicos que podem alerta-los para o facto de estarem a entrar em Choque Cultural.
Saudades exageradas, alteração de humor, irritabilidade, agressividade, insegurança, desenvolvimento de estereótipos sobre a nova cultura, são alguns dos sintomas, mas há muitos mais.
As reações ao Choque cultural podem sintetizar-se em duas grandes categorias que em Inglês são designadas por “Fight” e “Flight”, ou seja, “Luta” e “Fuga”
Fight carateriza-se pela não-aceitação de nenhum dos valores da nova cultura. “Estes tipos são umas bestas, estúpidos, ignorantes, não sabem vestir, a comida é horrível, etc.”
Flight carateriza-se pela fuga aos contactos de qualquer espécie. A pessoa só anseia regressar a casa, para a zona de conforto onde se habituou a viver.
O processo de adaptação pode ter uma duração muito variável. Pode até haver quem nunca se adapte. Nós somos todos diferentes.
Mas uma adaptação gradual normalmente passa por uma primeira fase em que percebemos que o mundo não gira todo à nossa volta, que só o que é nosso é que é bom, a que se segue a fase em que os novos códigos começam a ser entendidos.
Numa terceira fase dá-se a aceitação da nova cultura a que se segue a assimilação. A partir daí o processo de adaptação ficou concluído e a pessoa já se sente e atua como se estivesse na sua “segunda casa”.
Há depois uma situação a que muita gente não dá atenção, que é o novo ChoqueCultural no regresso a casa. Pode por vezes ser mais prolongado e intenso do que o da adaptação à nova cultura.
Quando partimos já sabíamos ao que íamos, já íamos mentalizados para enfrentar o desconhecido. Mas uma experiência intercultural bem-sucedida pode provocar grandes alterações nos nossos valores e atitudes. Isso dá como resultado que, quando regressamos a casa descobrimos que afinal já não nos identificamos com comportamentos que anteriormente nos pareciam perfeitamente normais.
André Leonardo diz no seu livro “Faz Acontecer, Portugal” logo no primeiro capítulo, quando fala do que se passou após a sua viagem de volta ao mundo, quando regressou a casa:
Antes da viagem tinha lido muito sobre como preparar a viagem e do choque cultural que ia encontrar pelo mundo, no entanto, o maior choque de todos aconteceu quando voltei a casa. E ninguém me avisou.
Para estas situações existe a chamada Reorientação, que está exatamente vocacionada para ajudar as pessoas a digerirem a sua experiência intercultural e a integrarem-na na sua realidade atual.
Estas experiências são importantíssimas, não apenas pelo que ajudam a crescer quem participou nelas como também pelo contributo que podem dar para a criação de uma mentalidade de paz entre os povos.
Ninguém quer pegar armas contra o povo daquele país onde viveu e criou amizades para a vida.
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