Vou agora até aos países do Sul da Europa, antes de mudar de continente.
Jugoslávia – Vou começar com um país que já não existe, mas todas as viagens que fiz de comboio naquela parte do mundo decorreram antes de se fragmentar em seispaíses reais e mais um, em que a independência foi forçada pelos naturais de outro país que se tornaram maioria. Poderei explicar a minha posição particularmente a quem pretender compreender melhor, mas não vou entrar aqui em considerações políticas.
Em 1982 e 1983 passei um mês inteiro naquele país, tão pouco conhecido e tão pouco uniforme. Um país com dois alfabetos, três religiões e seis identidades culturais bastante diferentes, mais uma vinda de fora. Em 1982 comecei por Belgrado, onde cheguei de avião, em 1983 comecei por Bar, onde cheguei de barco ido de Itália.
Em 82 fui de Belgrado a Sarajevo no “comboio olímpico”, um comboio que foi remodelado devido aos Jogos Olímpicos de Inverno que iriam ter lugar nesta cidade da, hoje em dia, Bósnia-Herzegovina. De Sarajevo apanhei alguns dias mais tarde o “comboio dos estudantes” para Mostar. O comboio e apinhado, mas o trajeto foi todo feito numa paisagem rude, montanhosa, mas deslumbrante.
Convidaram-me para almoçar com a família em Titograd
Segui depois para Dubrovnik, na atual Croácia, e alguns dias depois para Titograd, hoje em dia Podgorica, capital do Montenegro. Para terminar a viagem, e o meu mês de férias, regressei a Belgrado. Um trajeto longo por um terreno montanhoso, cheio de túneis, de uma beleza agreste.
Em 83 decidi passar novo mês na Jugoslávia. Havia locais onde pretendia regressar e outros onde ainda não tinha ido. Desta vez apenas fiz de comboio o trajeto de Bar até Titograd. Apenas um pormenor curioso. Na viagem de barco de Bari até Bar travei conhecimento com um jovem de jugoslavo que ao saber que ia para Titograd, sua terra, quis fazer-me companhia na viagem. Já no cais de embarque dei-me conta que ainda faltava tempo para o comboio passar e sugeri que fossemos ao bar tomar qualquer coisa. Quando me preparava para pegar nas malas ele disse-me que as podia deixar ali e acrescentou “we are in Yugoslavia now!”. Percebi o remoque. Ninguém naquele país iria mexer na nossa bagagem. Vantagens de viver numa ditadura com forte controle policial!
Itália – A minha primeira viagem à Itália, quando ganhei a bolsa de estudo do Instituto Italiano em Lisboa, foi em 1962. Fiz toda a viagem de comboio, para poder ir conhecendo a paisagem. Depois de uma paragem de uns dias na Riviera Italiana, falo nisso no meu livro, prossegui até Roma.
Apesar de falar Italiano, ia cansado da viagem e ansioso por descansar um pouco. A balbúrdia da Stazione Termini ainda me fatigou mais, pelo que fui ficar no primeiro quarto que me apareceu para alugar, logo ali ao lado e, como constatei mais tarde, numa zona pouco recomendável.
Fui depois disso inúmeras vezes a Itália, mas apenas nalguns casos fiz viagens de comboio no interior do país. Fui várias vezes trajetos entre Milão, Roma, Florença, de comboio, bem como outras viagens para cidades mais próximas, mas não tenho nada de especial para relatar.
Houve no entanto uma vez, estava em Pisa e fui a Lucca, uma cidade cuja visita recomendo, em que fui num tipo de comboio que sei que teria existido em Portugal mas nunca tinha visto. Cada fila de cadeiras tinha uma porta para o exterior e era assim que se entrava e saía da carruagem. Achei imensa piada.
Esqueci-me de referir que no final da minha segunda grande volta pela Jugoslávia e já muito perto da fronteira Norte com a Itália, decidi apanhar um comboio para Veneza para ficar lá ainda uns dias. Só que como já tinha gasto bastante dinheiro durante o mês em que percorrera a Jugoslávia decidi ficar em Mestre, onde os hotéis custam metade do preço dos de Veneza e de onde basta apanhar o barco para atravessar a laguna. Era noite e eu não tinha feito qualquer reserva. Os hotéis estavam simplesmente todos cheios. Vá lá que me lembrei de uns irmãos calabreses que viviam em Veneza e que eu conhecera numa viagem anterior. Bati-lhes à porta a meio da noite e lá consegui asilo por aquela noite.
Para terminar quero referir a viagem que fiz de Palermo, na Sicília, até Roma, de comboio. Como na viagem até Palermo, de ferry a partir de Nápoles, tinha apanhado uma noite de tempestade e enjoado, decidi que regressava de comboio. Foi uma boa decisão pois o trajeto é bastante interessante e vi uma parte de Itália que desconhecia. Foi uma viagem de 12 horas em que atravessei o Estreito de Messina entre a Sicília e a “ponta da bota” e depois fui ao longo da costa Oeste da Calábria, Basilicata, Campânia e Lazio até Roma.
E por hoje fico por aqui, mas ainda há mais para contar.
Comentários