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Foto do escritorantvaladas

Copenhaga

Tinha completado um mês de viagem quando cheguei a Copenhaga.


Interessava-me muito conhecer Copenhaga porque ali vivia uma parte da minha família de quem o meu pai falava às vezes. Tinha havido, creio que na geração anterior à do meu pai um casamento entre uma Petersen e um Valadas e o meu pai tinha-me recomendado que procurasse os Petersen que viviam nessa cidade.


Como me dera a morada, disse ao meu parceiro de viagem que os ia procurar e lá fui, de papel com a morada na mão. No percurso tinha por vezes que ir perguntando indicações. Reparei numa coisa estranha: as pessoas eram todas muito simpáticas, mas quando estavam a falar comigo de vez em quando tinham uma espécie de soluço.


Aquilo aconteceu com a primeira, depois repetiu-se e à terceira vez comecei a ficar preocupado. Haveria uma epidemia de asma na cidade? Só mais tarde, quando já estava há alguns dias na Dinamarca, é que percebi. Aquela espécie de soluço era a forma habitual de eles dizerem ja, ou seja, sim.


Cheguei finalmente à morada e bati à porta. Apareceu um senhor a quem tentei explicar quem era e o que estava ali a fazer. Depois de algumas explicações a ele e à mulher, que entretanto aparecera, quando eu disse os nomes dos primos Petersen, ficaram mais tranquilos ao perceber que não se tratava de qualquer aldrabice. Disseram-me que a filha falava Inglês muito melhor do que eles e convidaram-me para jantar. Disse que tinha um companheiro de viagem e disseram que o levasse também.


Quando regressei à Pousada, disse ao Rui que tínhamos um convite para jantar, o que o deixou bastante animado. É preciso explicar que, com o pouco dinheiro que levávamos, raramente nos alimentávamos bem. Um convite para jantar era música para os nossos ouvidos.


Um pequeno parêntese para explicar como era a nossa alimentação. Por vezes, os carros que nos davam boleia paravam na estrada para o almoço. Perguntavam-nos muitas vezes se não queríamos comer, e nós, envergonhados, dizíamos que não, obrigado. Enquanto os outros se banqueteavam, nós sentávamo-nos num canto da estrada e comíamos umas sandes ou, vá lá, uma peça de fruta.

Um dia, disse ao Rui: “da próxima vez que nos convidarem, aceitamos”. Devo dizer que foi uma ótima ideia. Valia a pena ver a cara dos nossos condutores a verem-nos comer com ar esfomeado.


Voltando ao jantar em Copenhaga, conheci a minha prima e outra prima que também tinham convidado. Percebi que o fizeram para manter o equilíbrio. Eram ambas bonitas e com um metro e oitenta. Em Portugal, não conhecia raparigas tão altas.


O jantar era um smorgasbord típico da Dinamarca. Pratos com fatias de vários tipos de pão e outros com carnes frias, vegetais, peixes fumados, tudo novidade para mim. Claro que me atirei àquilo como um lobo esfomeado. Notei a certa altura que as outras pessoas estavam todas a olhar para mim. Já tinham acabado e a minha prima, com ar um pouco irónico, perguntou se podiam ir para a sala. Naquela altura, já tinha perdido toda a vergonha e respondi:

- Vão, vão, que ainda fico por aqui mais um bocado.


Nos dias seguintes, andámos a visitar a cidade. Gostei imenso de Copenhaga, uma cidade muito organizada, tranquila e limpa, com pouco trânsito automóvel e muitos espaços verdes. Era francamente agradável. Claro que visitámos todos os locais onde os turistas afluem, o castelo de Rosenborg, o palácio de Amalienborg, Nyhavn, a pequena sereia, den lille havfrue.



A pequena sereia é mesmo pequena, está sentada numa rocha a pouco mais de um metro da margem. Turistas aos montes tiravam fotografias. Como estava a tornar-me cada vez mais ousado, descalcei-me, arregacei as calças e atravessei até à rocha onde me ajoelhei com os braços pelos ombros da sereia. Foi um bodo para os turistas! Deve haver imensa gente com a minha fotografia abraçado à sereia, mas eu não tenho nenhuma. Ninguém sonhava com uma coisa que se chamaria selfies.


No fim-de-semana, as minhas primas levaram-nos ao Tivoli. Pensei que seria um cinema, mas era o grande parque de diversões de Copenhaga. A certa altura, elas perguntaram se não queríamos ir beber qualquer coisa. Levaram-nos a uma esplanada onde passei uma vergonha. Elas pediram umas canecas enormes e eu limitei-me a beber uma imperial. Só imaginava a cara que os portugueses fariam se vissem duas raparigas a beber aquelas canecas de cerveja.


Acabei por ficar mais tempo em Copenhaga do que estava previsto. Os meus novos contactos na cidade trouxeram-me alguns problemas na Pousada, que fechava à meia-noite. Eu regressava sempre bastante mais tarde, por razões que não vale a pena explicar. Tive que recorrer a expedientes que nem sempre correram bem. Uma vez, com mais dois companheiros notívagos, tentámos entrar por uma janela do rés-do-chão. Era uma camarata de raparigas, que começaram a gritar.


Consegui enfiar-me no saco-cama, todo vestido, e fingi dormir profundamente. Enganei o pai da Pousada, mas os meus dois colegas foram apanhados.

A partir daí, a questão de entrar pelas janelas estava posta de parte, mas arranjei outras soluções.


Numa noite, dormi numa carrinha que estava parada à porta e não tinha as portas trancadas. Até que certa noite a carrinha não estava lá… Fiz então algo que teria deixado os meus pais escandalizados. Andei a rondar pelas ruas mais próximas e numa delas encontrei um carro que não tinha as portas trancadas. Que maravilha! Fiquei lá até amanhecer. E, como sou muito bem-educado, deixei um papelinho ao dono a agradecer a noite que tinha passado no seu carro.


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