Já fiz tanta coisa na vida que começa a ser difícil surpreender as pessoas, mas esta vai surpreender com certeza. Como é que alguém que grande parte da vida foi patrão, diretor, dono, foi também delegado sindical e, pior ainda, sequestrou a entidade patronal?!
Logo a seguir ao 25 de Abril comecei a trabalhar na Lintas, na altura a maior agência de publicidade no nosso país. Vindo de uma agência mais pequena, estava convencido que a carreira que tinha iniciado poucos anos antes como publicitário ia dar um grande salto em frente. Só que o que acontecia nessa altura, em que a situação futura do país ainda não era muito clara, era que as empresas tinham praticamente parado de fazer publicidade.
Sempre fui bastante ativo e de repente encontrava-me numa situação em que não tinha rigorosamente nada que fazer. Além disso, na Lintas os departamentos estavam bem definidos e cada um limitava-se a tratar do que dizia respeito ao seu pelouro. Ora eu vinha da Zeiger, muito mais pequena e informal, onde embora fosse um account executive me deixavam participar nas reuniões do departamento criativo que era onde eu me sentia bem.
Para além de ter rapidamente sido corrido quando tentei colaborar com os criativos da agência, encontrei também um ambiente politicamente bastante dividido e algo agitado. Numa reunião do pessoal foi decidido eleger um delegado sindical para poder participar nas reuniões dos sindicatos de serviços e de pessoal de escritório. Criaram-se logo pequenos grupos que andavam pelos cantos a segredar e a conluiar. Eu, confesso, mantinha-me completamente à margem.
Foi pois com enorme surpresa, e alguma apreensão, que me apercebi que os meus colegas tinham decidido eleger-me como delegado sindical. Porquê, perguntei. Porque ainda ninguém percebeu como é que te deve classificar e dás-te bem com toda a gente, foi o que me disseram.
E foi assim que me vi certa noite no Pavilhão dos Desportos, agora Carlos Lopes, no meio de uma multidão ululante com a qual dificilmente me identificava. Mas tinha que apresentar um relatório aos meus colegas, de modo que lá aguentei aquilo até ao fim.
Mas algo mais complicado, com que eu nem sonhava, estava para acontecer.
A Publicidade atravessava um período complicado e já se tinha percebido que ia haver despedimentos. Andava tudo tenso, olhavam todos para o patrão, um escocês, com ar suspeito, enfim, um ambiente de cortar à faca.
Foi quando constou que iam surgir os primeiros despedimentos que a bolha rebentou. O sector mais aguerrido conseguiu convencer os colegas mais moderados e decidiram “sequestrar” o Williams até ele nos assegurar que não haveria despedimentos. E quem é que tinha de ir comunicar o facto ao patrão? Eu, pois claro.
E foi assim que tivemos o senhor fechado no seu gabinete, sem o autorizar a sair e ir para casa. Nessa altura já o sector mais moderado começava a sentir-se incomodado com a situação, mas ninguém ousava enfrentar os mais aguerridos. E eu, no meio daquilo tudo, aguardava instruções.
Ora o patrão, como cidadão britânico, já se tinha entretanto posto em contacto telefónico com a sua embaixada, pelo que não tardou que fossemos contactados por entidades oficiais a dar-nos ordem para o deixarmos sair para evitar qualquer conflitodiplomático.
E assim aconteceu, para alívio da maior parte, já arrependida das proporções que o assunto tinha adquirido.
O Williams morava relativamente perto de mim. Bastante tempo depois, já eu tinha saído da Lintas, encontramo-nos num café perto da casa dele. Fiquei pouco à vontade, sem saber como devia falar-lhe, mas ele cumprimentou-me afavelmente. Conversámos um bocado e depois cada um foi à sua vida.
As coisas que as circunstâncias nos levam a fazer!
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