Era uma época em que o cinema italiano era bastante produtivo, com grande variedade de filmes que iam desde o neo-realismo até aos filmes para um público menos exigente, muitos deles passados em ambiente de férias.
Dois dos elementos do grupo tinham contactos na Cinecità e por vezes apareciam no café a informar-nos que procuravam figurantes para um filme que estava a ser produzido. Não queríamos ouvir outra coisa. Era a certeza de um dia diferente, almoço oferecido e no final umas massas. Não pagavam muito, mas para nós era ótimo.
Participei como figurante em dois filmes diferentes, mas em ambos os casos as filmagens foram feitas na praia de Ostia. Não tínhamos linhas para decorar, servíamos apenas para funcionar como pano de fundo ao desenrolar da história. Andávamos por ali, jogávamos volei ou íamos tomar banho enquanto os protagonistas desempenhavam os seus papéis.
Nunca me preocupei em perguntar sequer como se iam chamar os filmes, o que deu como resultado que, até hoje, não faça a menor ideia do nome dos filmes em que “entrei”.
Cena famosa do filme “La Dolce Vita”.
Outra atividade para que por vezes também havia convites eram desfiles de moda. No grupo havia uma jovem alemã que além de estudante já era conhecida pelos costureiros e convidada para desfiles.
Por vezes pediam-lhe para levar mais alguma rapariga ou rapaz e, claro, todos nós sonhávamos com um convite desses, até porque já se tratava de atividades mais bem remuneradas. Mas nunca ninguém reparou em mim!
Como disse tinha vários grupos de amigos, por vezes bastante distintos uns dos outros. A poucos metros do local onde ficava a minha pensione morava um indivíduo que eu via com frequência.
Claro que naquela praceta pequena todos se falavam e ele ficou curioso quando descobriu que eu era um estudante português, algo raro naquela época em Roma. Fiquei a saber que estava ligado ao cinema e à televisão e conhecia toda a gente nesse meio.
Claro que manifestei logo a minha curiosidade e ele acabou por me levar a locais onde podia ver as estrelas conhecidas da época, nalguns casos mesmo a festas em casas de sonho onde se misturavam escritores, pintores, gente do cinema, nobres e gente com muito dinheiro. Em suma, o jet set local. E eu no meio daquilo tudo.
O ambiente destas festas não tinha rigorosamente nada que ver com o das festinhas a que estava habituado em Lisboa. Falava-se de tudo, temas culturais, política, cinema, mas sobretudo muito “gossip”.
Não havia dress code, cada um usava o que muito bem entendia. Vestidos compridos, joias ou smokings misturavam-se com jeans e chinelas. Talvez por isso nunca ninguém mostrou curiosidade pela minha presença. Era apenas mais uma pessoa.
Por vezes alguém decidia cantar, ou dançar, ou desaparecer para ir concluir um relacionamento que tinha sido iniciado à vista de todos. E eu, estarrecido, tentava encarar tudo com muita naturalidade para não dar nas vistas.
Como faço anos no final de Julho estava ainda em Roma nessa altura. Um grupo de amigos perguntou-me o que é que eu queria fazer para festejar o dia. Já tinha andado por todo o lado, ido a todo o tipo de restaurantes. Uma das coisas que mais me tinham fascinado, estava-se no Verão, tinham sido os gelados e também os frulatti.
Levem-me ao local onde eu possa comer o maior gelado que há em Roma, foi o que pedi. Assim fizeram e ficaram a observar, divertidos, enquanto eu me lambuzava com um gelado que parecia que nunca ia acabar.
Lea Padovani tinha exatamente mais vinte anos que eu.
No entanto tinham também uma surpresa na manga. Havia uma atriz italiana, menos conhecida fora de Itália, que fazia anos no mesmo dia e havia uma festa em casa dela. Um dos meus amigos tinha falado com ela e informou-me que ela tinha dito que me podia levar. Fui parar a mais uma daquelas festas extraordinárias e nem sei se alguém se deu conta que eu fazia anos naquele dia.
Ainda voltando ao cinema, como tinha acesso a festas em que estavam normalmente presentes atores tive a ocasião de ver alguns. Estava nessa altura a ser filmado “O Leopardo” do Visconti, que tinha como principais intérpretes Burt Lancaster, Claudia Cardinale e Alain Delon.
Aos dois primeiros ainda vi em duas festas. A Claudia, com a sua voz rouca, estava em início de carreira; o Burt, já veterano, pavoneava-se com um jovem italiano, embora me dissessem que a mulher dele também lá estava. Mas naquele ambiente ninguém ligava ao pormenor.
Para mim, saído do ambiente ultra conservador que havia em Portugal naquela altura, tudo aquilo era novidade. Naturalmente curioso nunca perdia uma oportunidade de ir a uma daquelas festas em que nunca se sabia bem o que ia acontecer.
No entanto, tive sempre o bom senso de perceber que envolver-me demais poderia conduzir a situações difíceis de gerir. Via mas não participava.
Claro que também aproveitei para ficar a conhecer bem Roma e, sobretudo, fiquei a falar Italiano com grande à vontade.
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