Tinha o carro há pouco tempo quando decidi ir passar o Carnaval ao Algarve com um amigo. Ele tinha carta há mais tempo que eu e partilhávamos sempre a condução. Na quarta-feira de cinzas regressámos a Lisboa. A meio da viagem trocámos e passou ele para o volante.
Tinha começado a cair uma morrinha que tornava as estradas escorregadias. E o meu carro não era um primor de segurança e o meu amigo não lhe conhecia os truques. Numa curva no Torrão o carro derrapou, saiu da estrada, deu uma cambalhota e aterrou num terreno lavrado que ficava um pouco mais abaixo de rodas para cima. Levávamos a capota de lona e ficámos lá dentro, entre o assento do carro e a capota que, claro, tinha ido para dentro.
Eu tinha pressentido o que ia acontecer e tinha-me posto numa posição conveniente. Quando o carro parou fiquei a tentar perceber onde era a porta. Estar de pernas para cima e num espaço exíguo faz-nos perder a orientação. Um Mini que vinha atrás tinha assistido ao acidente. Ouvi-os gritar cá de fora: Estão vivos? O estado amachucado em que o carro tinha ficado não era encorajador.
Estamos, disse eu, abram-nos a porta. Encaixada no terreno, não era fácil de abrir por fora, mas por dentro era impossível. Abriram e lá saímos. O meu amigo tinha algumas escoriações, mas nada de muito grave. Eu, que ia no “lugar do morto”, não tinha nem um arranhão!
E o resto da viagem foi feito num Mini com quatro pessoas e malas até ao teto. Paramos no hospital de Setúbal para o meu amigo fazer uns curativos e depois levaram-nos para casa.
O ACP encarregou-se de ir buscar e carro e trazê-lo até à minha base. Quando os meus colegas militares viram o carro não acreditavam que eu tivesse ficado vivo. Mas estar na Força Aérea teve as suas vantagens. Todo o pessoal da base adorava o carro e, tirando o preço das peças, toda a reparação foi oferecida por eles.
A vida afastou-me um pouco desse meu amigo, que passei a ver esporadicamente. Até que, alguns anos mais tarde, vi-o na televisão. Era um dos capitães de Abril.
Mas não vou dizer quem era.
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