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Foto do escritorantvaladas

Pura lã virgem

As coisas de que eu me vou lembrar! Há dias, numa conversa sobre a forma como as lojas de roupas conseguiam vender quando as pessoas não podiam passar do postigo recordei-me de um episódio passado quando eu andaria nos vinte e poucos.


Uma amiga com quem me dava muito bem era por vezes convidada para modelo em certos anúncios. Isto passava-se numa época em que a publicidade dava os seus primeiros passos no nosso país e ainda não existiam agências de modelos.


Raparigas com boa apresentação e um certo à vontade eram contactadas, ou indicadas por quem as conhecia, às agências de publicidade. Era o caso da minha amiga. Tinha um aspeto algo exótico que dava nas vistas e sabia como tirar partido do facto, pelo que, de vez em quando, lá vinha um convite.


Certa vez o anúncio implicava a presença de um par e da agência perguntaram à Sara se lhes podia indicar um rapaz para contracenar com ela. Claro que quando ela me falou no assunto aceitei logo. Nem pensei que iria aparecer na televisão, nem no facto de os meus pais, ainda vivia com eles, poderem não gostar muito da ideia. Era uma coisa nova, que nunca tinha feito, e ainda ia ganhar umas massas.

O anúncio era a uma marca de lãs e consistia em duas cenas: na primeira um jovem par entrava numa loja e punha-se a escolher roupa já previamente indicada; na segunda encontravam-se ao ar livre já com as roupas que tinham escolhido vestidas. Anúncio muito básico. Naquela altura a publicidade ainda não tinha os meios de que veio a dispor mais tarde.


A segunda cena foi a primeira a ser filmada. O local escolhido foi o cruzamento da Avenida de Roma com a Avenida da Igreja, que na altura ainda não tinha a estátua de Santo António. Apenas um relvado ligeiramente descentrado.


Nesse relvado o rapaz ia a caminhar já com a camisola que teria comprado e ao fundo via-se chegar a rapariga também vestindo a roupa que teria adquirido. Ela corria para ele e saltava-lhe para os braços, rodavam e ele poisava-a no chão.


Alguns dias depois procedeu-se à filmagem da primeira cena e aqui as coisas já não correram tão bem.


Foi escolhido como local para as filmagens uma loja de artigos de senhora que havia no Chiado e cujo nome não consigo recordar. Era uma loja não muito grande mas muito procurada por uma classe social mais elevada.


A loja tinha uma cave com gabinetes onde as senhoras provavam a roupa que pretendiam comprar.

No dia das filmagens a loja viu-se invadida pelo pessoal das filmagens e seu equipamento, que naquela altura era bastante volumoso, o que provocou uma reação com ar enfadado nas pessoas que trabalhavam na loja, pois para colocar enormes projetores foi preciso alterar o arranjo interior da loja. Havia ainda o facto de andarem por ali vários homens: os técnicos, o realizador e eu, sendo a Sara o único elemento feminino.


E isto tudo enquanto clientes, com ar igualmente incomodado, andavam por ali a escolher peças que depois iam provar no andar de baixo.


E aconteceu aquilo que já se devia ter previsto. A instalação elétrica da loja não aguentou a sobrecarga e de repente foi-se abaixo. No piso térreo ainda se continuava a ver devido á luz que vinha da rua, mas a cave ficou completamente às escuras.


Começaram-se a ouvir gritos vindos do andar de baixo e de repente surgiram algumas senhoras vindas da cave, furiosas e, o que era pior, não completamente vestidas! Claro que procurei logo fingir que não tinha dado por nada, mas não posso garantir que todos os técnicos tenham desviado os olhos.


Arrumamos rapidamente todo o material e saímos da loja, pois já havia uma senhora, muito conhecida na altura, que ameaçava processar a loja.

Subimos até ao Largo do Camões onde pudemos finalmente rir à gargalhada longe da vista das ofendidas.

O realizador disse que já tinha os takes necessários e as filmagens, pelo menos na parte que me tocava, ficaram por aí.

Mais tarde, quando o anúncio saiu finalmente, tive curiosidade de ver. Confesso que não fiquei particularmente orgulhoso com o que vi e fiquei aliviado quando, poucos dias depois, o anúncio deixou de ser exibido.


A minha experiência como modelo publicitário ficou por aí e, confesso, não é nada de que me possa orgulhar.



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