A vitória do Sporting no Campeonato Nacional, após 19 anos de jejum, e alguns acontecimentos na celebração de ontem à noite trouxeram-me à memória alguns episódios e levaram-me a tecer algumas considerações sobre gostar de futebol e de determinado clube e o facciosismo levado ao extremo.
Sempre fui adepto do Sporting e o mesmo aconteceu em toda a minha família mais próxima, tanto quanto me é dado recordar.
Fui algumas vezes como meu pai ao futebol, até uma altura em que comecei a ir com amigos e colegas. Entrava naquelas discussões de jovens sobre os méritos dos nossos e os deméritos dos outros, mas mais porque era o que se esperava que fizesse. Nunca fui capaz de colocar de parte outro jovem só porque não era do meu clube.
Durante alguns anos o Sporting teve o seu lar para jogadores no mesmo prédio onde morava uma tia minha, pelo que o facto de os encontrar frequentemente nas escadas fez com que passasse a trocar umas palavras com alguns.
Também aconteceu que em Arroios, perto da casa onde morava com os meus pais, houvesse uma cave onde funcionava um pequeno bar calmo e quase desconhecido que era o paradeiro, à tarde, de muitos dos jogadores mais jovens de clubes lisboetas.
Foi aí que descobri algo com que não contava e que me deixou ao princípio bastante admirado. Os jogadores do Sporting e Benfica, que eu imaginava como sendo tremendos rivais, davam-se todos bem, brincavam, riam, metiam-se uns com os outros, mas sempre como colegas do mesmo ofício.
Essa revelação ajudou-me a passar a olhar para o clubismo e facciosismo de uma forma completamente diferente. Quando assistia a discussões assanhadas entre pessoas de clubes rivais, em que asseguravam que o jogador da outra equipa tinha feito e acontecido eu só pensava: “Se vocês soubessem!”
Acabei por travar amizade com alguns, em especial com um que jogava na posição que sempre me atraiu mais no futebol: guarda-redes. Foi um jogador notável, começando a destacar-se logo na seleção nacional de juniores e depois na seleção principal. O seu nome: Vitor Damas.
O Damas era alguns anos mais novo que eu e gostava de conversar comigo. Naquela altura os jogadores, mesmo os muito bons, não ganhavam as fortunas que ganham hoje em dia e, no início de carreira, muitos ainda não tinham carro.
O Damas era um deles e sonhava com o momento em que iria adquirir o seu próprio carro. E fui eu o seu instrutor de condução. Por trás do estádio do Restelo havia um amplo espaço onde ainda não havia qualquer habitação e era ali que dávamos as aulas.
Quando ele descobriu que embora sportinguista, eu não era sócio, insistiu que tinha que entrar para sócio. Disse-lhe que entraria, mas pela porta grande. Tinha que ser ele a propor-me para sócio. E assim foi. Tive a sorte de encontrar a primeira ficha que preenchi, já com a assinatura dele como sócio proponente.
Com o tempo o nosso contacto acabou por passar a ser muito ocasional, mas segui sempre com prazer a sua carreira de grande guarda-redes, um dos melhores que já tivemos em Portugal.
Foi com surpresa e desgosto que tomei conhecimento da sua morte tão prematura, creio que com 55 anos.
Foi no Restelo, onde morei com os meus pais, que acabei por travar conhecimento com alguns jogadores que se viriam a tornar famosos, alguns mais tarde como treinadores, como foi o caso do Manuel José. Com o seu sotaque de nativo de Vila Real de Santo António era bastante humilde na altura e nunca teria imaginado o treinador de personalidade forte e carreira brilhante em que se iria tornar.
Já em pleno século XXI e como diretor da MultiWay fui um dia abordado pelas relações públicas do Benfica que me propuseram um protocolo mediante o qual eles divulgavam os meus cursos junto aos seus sócios. Não vou entrar em pormenores sobre esse tema, pois foi objeto de um capítulo no meu livro intitulado “Um leão entre as águias”.
Foi um período em que tive a ocasião de ter um contacto muito próximo com elementos do Benfica, indo com frequência ao Estádio da Luz, sem que isso me afectasse.
Sempre que das relações públicas do Benfica, conhecedores das minhas simpatias, me diziam de brincadeira “Então, quando é que passa para cá?” eu respondia-lhes: “Amigos, amigos, negócios à parte”.
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Ontem à noite, confesso que só fiquei tranquilo quando o jogo acabou. Sempre achei que conseguia controlar as emoções mas, que raio, um homem não é de ferro!
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