Certo dia, no Liceu Pedro Nunes, um colega aproximou-se de mim e disse: “É pá, para o ano quero ver se vou para a América”.
A América, estávamos em 1955, era naquela altura o sonho de qualquer jovem. Fiquei logo de orelhas arrebitadas.
“Mas então como é que fazes? Isso parece-me uma grande treta!”- Comentei.
- Não é – assegurou o meu colega - Há aí uma organização americana que oferece aos estudantes de liceu a possibilidade de irem um ano para a América. Vamos lá estudar e viver em casa de uma família americana.
Claro que nessa noite já nem dormi.
No dia seguinte, fui ter com o meu colega, ansioso por obter mais pormenores. Soube que a organização se chamava American Field Service e que o assunto era tratado em Portugal conjuntamente pela Embaixada dos Estados Unidos e pela Mocidade Portuguesa.
Festa dos meus 16 anos, poucos dias antes da partida.
Decidi logo que era mesmo aquilo que eu queria fazer. Nesse dia, ao jantar declarei à família:
- Para o ano, vou para a América!
Eu tinha quinze anos e atravessava aquela fase em que todos os dias queremos ser, ou fazer, uma coisa diferente.
- Pois - limitou-se a dizer o meu pai, olhando para a minha mãe. Encolheu os ombros e continuou a comer sem dar grande importância ao assunto.
A família considerou que aquilo era apenas mais uma das minhas ideias loucas, mas eu estava a levar o assunto muito a sério. Investiguei mais a fundo e fiquei a saber que havia mais candidatos e que nos tínhamos que sujeitar a uma entrevista. Lá tratei da minha inscrição preliminar e no dia indicado apresentei-me para a entrevista. Decorreu no Palácio da Independência. Entrávamos num salão e ao fundo havia uma mesa grande onde se sentavam algumas pessoas, já não me recordo quantas. Eram os representantes da Embaixada e da Mocidade.
Eu queria mesmo ser selecionado, pois já tinha percebido que não havia vagas para todos e decidi jogar forte. Como tinha andado no Colégio Inglês, o meu nível de Inglês era já bastante bom. Então avancei para a mesa e comecei logo a falar em Inglês. Houve uma certa surpresa do lado de lá, mas os representantes da Embaixada responderam-me em Inglês, enquanto os da Mocidade falavam comigo em Português.
Saí sem fazer a menor ideia das minhas hipóteses. Parecia que tinha sido outra pessoa que tinha estado no meu lugar a fazer a entrevista.
Em minha casa, nunca mais se falou no assunto. Os meus pais consideraram que estava arrumado. Eu aguardava, ansioso, mas as semanas passavam e notícias, nada! Já andava bastante desconsolado, a pensar que ia ser recusado, pois o meu colega que me tinha convencido a concorrer tinha-me informado que não tinha sido selecionado. E a mim não me diziam nada!
Certo dia à hora do almoço, chegou o correio. Um grande envelope amarelo, bastante grosso, que vinha como meu nome. Dei um salto da cadeira, abri o envelope com avidez e li as palavras com que tinha sonhado durante tanto tempo.
- “Fui selecionado, vou para a América!”- Gritei.
A minha mãe levantou-se da mesa e foi chorar para o quarto e o meu pai, mais controlado, só disse:
- Bom, mas isso não deve ser bem assim, nós ainda temos que decidir se te deixamos ir e há com certeza despesas a considerar.
Os dias que se seguiram foram de grande tensão. A minha mãe andava triste e via-se que de vez em quando tinha chorado. O meu pai permanecia calado e carrancudo. E eu, ansioso, quase que não dormia.
Ao cabo de uns três dias, o meu pai chamou-me para ir falar com ele. Com a minha mãe ao lado, disse a frase que mudou toda a minha vida:
- Estivemos a pensar. Ainda és demasiado novo, mas mostraste maturidade ao tratar de tudo sozinho. Se isso é de facto o que mais desejas fazer neste momento, nós vamos deixar-te ir.
Saltei-lhe ao pescoço para agradecer e fui beijar a minha mãe, que chorava desabaladamente.
Ia conseguir concretizar o meu sonho.
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